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Posted by : Léo quarta-feira, 2 de julho de 2014

Eduarda


Aquela era mais uma noite que Eduarda passava no mato, com seus quatro filhos pequenos. Eles enfrentavam mosquitos, espinhos, sem agasalhos, sem comida e até mesmo sem água. Eduarda tinha sido colocada para fora de casa pelo marido. Ele sempre fazia isso quando estava bêbado.
Isso se passava no Sítio São Diogo, na década de 1970.
_Durmam fios, a lua tá crara, num vamu ficá na iscuridão. Num pricisa tê medo, eu vigio vocês.
As crianças adormeceram sobre as folhas secas no chão, apesar do desconforto. Já Eduarda, ficou sentada chorando e lamentando sua vida. Ela tinha vinte anos, era alta, um pouco gorda, pele branca e cabelos pretos, trazia no olhar a tristeza de existir. Casou aos quinze anos, com Marcos, um homem muito violento, que a espancava.
Naquela noite, ele tinha chegado em casa bêbado e depois de uma briga, expulsou a mulher de casa e logo após foi dormir, como se nada tivesse ocorrido. Sem ter para onde ir, a pobre mulher procurou o mato. Ela já estava acostumada com aquela situação deplorável.
A primeira vez que Marcos a pôs para fora de seu lar, ela procurou a casa dos pais, porém, estes não lhe receberam, disseram que a mesma tinha que ter paciência com o esposo e que voltasse para o lado dele. Então Eduarda foi para uma mata deserta, onde se refugiou. Quando o dia raiou, ela voltou para casa. A partir daquele dia, ficou sendo sempre assim: Ela e os filhos dormiam na mata e no dia seguinte voltavam para sua residência e Marcos agia como se nada tivesse acontecido.
Não havia um diálogo entre eles sobre aquela situação. Eduarda tinha medo do marido e não possuía coragem para enfrentá-lo e nem alguém que lhe apoiasse. Estava condenada a viver o resto da vida sofrendo nas mãos daquele homem, que mais parecia um monstro.
Uma vez, ele  deu um puxão tão grande nos seus cabelos, que arrancou uma grande quantidade deles. Ela guardou-os para mostrar a seus pais, no entanto, os mesmos mantiveram-se calados e não ajudaram a filha. Eram conservadores, não queriam ter uma filha separada.
Depois de refletir a respeito de sua sina, Eduarda ainda cochilou um pouco. Mas o sol não demorou a nascer e ela voltou para casa, humilhada como sempre.
Marcos foi para a roça sem falar nada e ela cuidou nos serviços e no almoço. As crianças foram brincar, apesar de estarem tristes. Com certeza, os filhos de Marcos cresceriam traumatizados e cheios de problemas. Eles além de presenciarem o pai agredir a mãe, ainda apanhavam também às vezes. O psicológico daquelas crianças já estava abalado e a tendência era que eles não fossem sadios mentalmente. Eles tinham muita pena da mãe e raiva do pai. Este, nunca plantou amor nos seus corações, só plantou a violência. Marcos era doente, gostava de bater e ver a mulher sofrendo com as pancadas. Sua esposa não sabia disso, no seu pensamento, o marido apenas não prestava. Esta, não o amava, aliás, nunca amou. Quando casou, era apenas uma menina influenciada pelos pais. E dessa forma, muito cedo começou a ser vítima da violência doméstica.
_Traiz um suco pra eu, muié! Ordenou Marcos, quando chegou, muito irritado da roça.
_Ainda num fiz, mais vô fazê agora.
Seu marido brutalmente deu-lhe um soco no olho. Ela caiu no chão chorando, mas logo se levantou e muito trêmula, foi providenciar o suco. Naquele mesmo dia, Eduarda descobriu que estava grávida. Seu primeiro gesto foi levar as mãos à cabeça. _E agora? Pensou a coitada.
No dia seguinte, ela contou ao marido e ele não disse nada, ficou em silêncio.
Eduarda vivia em uma época muito difícil para as mulheres, pelo menos na comunidade do São Diogo. Naquele lugar, a mulher era vista como um ser insignificante, sem vez, ou seja, não era valorizada. Seu papel se restringia a obedecer ao marido e cuidar da casa.
Durante a gravidez, Eduarda continuou apanhando e passando algumas noites no mato, mesmo assim, seu filho nasceu.
_É um subriviventi. Pensou a mãe, ao ver o filhinho.
Após o nascimento desta criança, a mulher de Marcos resolveu mais uma vez, procurar seu pai, para pedir ajuda.
_Papai, fali cum meu maridu, peça pra ele Pará de batê neu, ou dexi eu vortá pra casa. Eu to sofreno muito nas mão dele.
_Fia, seu marido é um bom sujeito, trabaiadô, nunca dexô fartá nada pra você, além de sê dono de umas boa cabeça de gado. você pricisa aprendê a lhe dá cum ele e lhe obedecê sempre. Procuri vivê im paiz!
Mais papai...
_Eduairda vorte pra sua casa, trabaiá e cuidá de seu maridu e se conformi cum sua vida.

O pai de Eduarda talvez não amasse a filha, porque sabia que a mesma estava apanhando e não se importava. Para ele, o homem tinha o direito de bater na esposa. Seu pai batia em sua mãe, ele batia na mulher, era natural que o genro espancasse a filha.
Aos poucos, Eduarda foi entendendo isso e nunca mais seu pai ouviu reclamação sua. Ela passou a agüentar tudo calada. Aprendeu a apanhar, cair, levantar e continuar sozinha, tendo seus filhos como testemunhas da sua dor.
Marcos tornava-se cada vez mais agressivo e descontando toda sua raiva na esposa.
Um dia, ele lhe deu uma forte surra, depois foi para a roça e ela ficou na janela chorando e olhando para o nada. Nesse momento, apareceu um mascate vendendo umas pulseiras e quando parou em frente à sua casa, para lhe oferecer, percebeu suas lágrimas e as marcas de violência em seu corpo.
_Foi seu marido, não foi minha senhora?
_Foi sim, ele ispanca eu constantimenti.
_Porque não o abandona?
_Num tenho pra onde ir, cum meus cinco fio.
O homem pediu um copo d’água e enquanto a mulher foi buscar, ele ficou pensativo.
_Aqui ta a água.
_Obrigado. Tem um café?
_Sim.
Após tomar o café, ele olhou dentro dos olhos tristes da mulher e disse:
_Venha comigo.
Eduarda ficou muito pálida e começou a tremer.
_O qui o sinhô disse?
_Quer ir embora comigo, para o Ceará?
_Eu nem lhe cunheço, o sinhô é louco por acaso?
_Não precisa me responder agora. Amanhã, neste mesmo horário passarei pra lhe pegar. Se a senhora quiser deixar essa vida de horror, apronte-se e me espere.
_Eu só vô se puder levá meus fio.
_As crianças eu não posso levar. Se a senhora quiser ir, é sozinha.
_Num tenhu coragi de dexá eles.
_Em todo caso, pense bastante. É sua chance de se livrar desse homem violento. Até amanhã!
Eduarda ficou muito confusa e angustiada. Queria ir, entretanto, olhava para os filhos e começava a chorar._Num possu abandoná eles.
Nesse momento, ela olhou para o retrato do marido na parede e veio-lhe na mente os maus-tratos que sofria._O qui façu? Indagou ela a se mesma.
No dia seguinte, Eduarda decidiu-se e quando olhou para o seu bebê dormindo, não conseguiu ficar sem chorar.
_Fia cuidi sempri de seu irmãozim mais novu, nunca dexi ele sofrê e nunca isqueça qui mamai ama vocês muito. Disse ela para a filha mais velha, que tinha oito anos.
Eduarda abraçou e beijou cada um dos seus filhos e mandou que eles fossem brincar no quintal. Marcos já estava na roça, tinha saído bem cedo.
Quando o mascate passou, ela foi embora com ele, dizendo a se mesma que um dia voltaria para buscar os filhos.



Conto escrito por: Maria do Socorro Abrantes Sarmento

{ 1 comentários... read them below or add one }

  1. Oi!

    Que conto triste </3 Eu acho que eu não teria coragem de abandonar meus filhos, mas temos que sempre analisar a situação né?

    Beijocas
    http://www.estantedasfadas.com.br/

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